
Pôr-do-Sol visto a partir das margens do Lago Paranoá (Foto: JCBertolucci)
À beira do Lago Paranoá, um dos cartões-postais mais bonitos de Brasília, também ergue-se a Concha Acústica — projetada para ser um ponto de encontro entre a arquitetura de Niemeyer, a música e a natureza. O cenário, visto de longe, é de encher os olhos: um anfiteatro monumental, a curva branca recortando o azul do lago e o verde das árvores. Mas basta se aproximar para perceber que o local não vive o esplendor que poderia.
No vídeo sobre a matéria (assista aqui no link:https://youtube.com/watch?v=TEm_yFwP6eo&feature=shared, as imagens falam mais alto do que qualquer discurso: ausência de estruturas de apoio e um entorno que carece de cuidado. A orla, que poderia ser um polo de turismo náutico e cultural, hoje parece relegada a um papel secundário na cidade. Não há um pier estruturado para embarque e desembarque, não existem serviços que integrem o visitante à experiência do lago, tampouco atividades regulares que aproveitem o potencial de lazer e esporte náutico do espaço.

Píer em péssimas condições leva perigo aos transeuntes e navegantes que frequentam a Concha Acústica (Foto: Revista Navegar)
Em uma capital planejada, onde o Lago Paranoá foi concebido como parte do desenho urbano e como instrumento de valorização paisagística e de recreação, é difícil entender por que pontos como a Concha Acústica permanecem sem a devida atenção. O que se vê é um espaço com vocação clara, mas que opera muito aquém de sua capacidade de atrair e manter fluxo turístico consistente.
A falta de integração entre a gestão cultural e a náutica é um erro estratégico. Cidades com potencial hídrico semelhante — seja à beira-mar ou à beira de lagos — exploram seus espaços com marinas públicas, feiras flutuantes, cafés à beira da água e eventos que movimentam a economia local. Em Brasília, a cena que se repete é a do visitante que contempla, mas não permanece. E um turista que não permanece é também uma receita que se perde.

Edificações abandonadas, caso de saúde pública (Foto: Revista Navegar)
A história da Concha Acústica
Projetada por Oscar Niemeyer e inaugurada em 1969, a Concha Acústica foi concebida como um anfiteatro ao ar livre capaz de receber grandes espetáculos com o Lago Paranoá como pano de fundo. Seu formato curvo e côncavo, além de esteticamente marcante, foi pensado para otimizar a acústica natural.
Ao longo de sua trajetória, o espaço já recebeu apresentações memoráveis, de artistas consagrados da música brasileira a eventos cívicos e culturais. Nos anos 1980 e 1990, tornou-se um dos principais palcos de shows em Brasília, mas enfrentou períodos de abandono e inatividade. Reformas pontuais devolveram-lhe condições de uso, mas o brilho dos tempos áureos ainda não foi resgatado.
Hoje, ainda permanece como um ponto de visitação gratuito, aberto diariamente, e, embora esteja à beira de um lago navegável, raramente é associado a eventos náuticos — uma contradição evidente para um espaço que poderia funcionar como elo entre a cultura e o turismo aquático.
Cultura e turismo náutico: um casamento que Brasília ainda deve ao Lago
A Concha Acústica, com sua localização estratégica, poderia ser o coração de um complexo cultural-náutico integrado. Imagine o visitante chegando de barco para assistir a um concerto ao pôr do sol; ou turistas desembarcando para conhecer o Museu de Arte de Brasília, almoçar em um restaurante à beira d’água e participar de atividades aquáticas.
Esse modelo não é utopia: é realidade em inúmeras cidades turísticas que entenderam que a água é um ativo econômico e cultural. Investir em infraestrutura náutica — desde píeres e decks até sinalização e serviços de apoio — não é luxo, é estratégia de desenvolvimento.
Além do abandono estrutural, a falta de fiscalização transformou a área em um estacionamento improvisado. Veículos transitam e estacionam livremente sobre a calçada, desrespeitando o espaço destinado aos pedestres e colocando em risco a integridade física de crianças que circulam e brincam no local. O piso, já desgastado pelo tempo e pela ausência de manutenção, sofre ainda mais com o peso e a passagem constante de carros e motos. Essa ocupação indevida, além de ser ilegal, afasta famílias e compromete o uso seguro do espaço público, reforçando a sensação de descaso com o patrimônio da cidade.

Crianças brincam na calçada da Concha Acústica, entre carros que circulam e estacionados. Falta de fiscalização e regras no local gera perigo aos transeuntes (Foto: Navegar)
Enquanto Brasília mantiver essa separação artificial entre seu patrimônio cultural e seu patrimônio hídrico, perderá a oportunidade de transformar espaços como a Concha Acústica em motores de turismo e qualidade de vida. O Lago Paranoá foi criado para ser parte viva da cidade. Integrar a cultura à náutica é, portanto, mais do que uma ideia: é devolver sentido a um dos lugares mais emblemáticos da capital.
👏👏👏 Ótima reportagem… a concha acústica deveria ter mais atenção…